Oi Gente
O objetivo do post de hoje é trazer aqui para você um pouco sobre um dos momentos da história dos tratamentos da saúde mental. Dix, uma educadora da Nova Inglaterra, e Beers, do movimento da Higiene Mental, foram protagonistas no início da Reforma dos Manicômios. Saiba um pouco sobre essa história por aqui…
Primeiras três décadas do século XIX
Nesse período, nos Estados Unidos, baseados na influência reformista de Pinel e Tuke, já trouxe por aqui um pouco sobre eles 4 médicos pioneiros na história da saúde mental , foram fundados vários manicômios privados. Por serem particulares, dificilmente ficavam lotados pelo fato de atenderem somente pacientes com uma boa situação econômica.
Os demais pacientes pobres, com algum problema nessa área, acabavam tendo outros destinos, ou era abandonados pela família e ficavam vagando nas cidades do interior do Estado, onde acabavam sendo recolhidos por asilos de caridade ou até mesmo em prisões.
Com crescimento dos centros urbanos e, proporcionalmente o aumento de cidadãos nessa situação, era necessário o apoio dos serviços públicos e assim, foram sendo criados os grandes manicômios que eram destinados a receberem tanto os ricos quanto os pobres e, como já era de se esperar, a maior clientela nessas instituições acabavam sendo dos pacientes menos favorecidos economicamente.
O modelo das construções dos manicômios
Os manicômios eram construídos, seguindo um mesmo modelo de planta, conhecido como o plano Kirbride, pois esse modelo de construção era defendido pelo psiquiatra da Filadelphia Thomas Story Kirbride (1809-1883).
Cartão postal de 1877 em Worcester, Massachusets
Padrão Kirkbride
Dr. Kirkbride acreditava que para a cura, dos pacientes, era necessário um ambiente onde eles poderiam ser expostos à luz natural e pudessem receber uma boa circulação de ar.
Os estilos arquitetônicos dessas construções até poderiam sofrer algumas alterações, desde que seguissem o plano
, ou seja “que abriga inúmeras asas que se espalham para fora do centro.
Pela planta, ficaria no centro um prédio administrativo central e nas laterais as alas masculina de um lado e feminina de outro. “Os pacientes de melhor comportamento tendiam a ser colocados perto do centro, ao passo que os mais “excitáveis” geralmente eram alojados mais longe.” p. 414.
O primeiro a ser construído nesse estilo data de 1848, como o nome de Hospital Estadual de Trenton, em Nova Jersey. E assim, durante o século XIX várias outras construções foram sendo executadas nesse padrão Kirkbride, sendo que no século XX, a sua popularidade diminui devido aos gastos com sua manutenção.
Elgin State Hospital in Ohio
Geralmente, essas construções eram situadas em zonas rurais, como uma forma de serem colocados fora da vista. Sempre estavam precisando de mais verbas, e além de superlotados a sujeira ali encontrada era difícil de imaginar.
Quem foi Dorothea Dix?
Dorothea Dix, uma educadora da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos, que viveu no período de 1802 a 1887, tinha uma preocupação com aquelas pessoas menos afortunadas e resolveu verificar, pessoalmente, como eram as condições de tratamento aos pacientes que estavam internados nas instituições públicas.
No ano de 1841, em Massachusetts, ela resolveu visitar hospitais, prisões, asilos e demais estabelecimentos que abrigavam os pacientes com problemas na área da saúde mental. Essa primeira iniciativa teve a duração de 18 meses e, a partir de então, anotava tudo o que via e, assim, com relatórios pormenorizados em mão, onde relatava o que havia encontrado, como situações de absurdas de negligências com os pacientes, sendo até mesmo comparados com tratamentos piores do que com animais, ela inicia o desafio de criar campanhas para o melhoramento dessas instituições.
Encontrou situações onde pacientes se encontravam acorrentados, em cubículos sem aquecimento e cheios de excrementos, bem como mal alimentados e mal vestidos. Além disso, observou pacientes sendo surrados e abandonados com mal tratados. Ela, então, “escreveu uma feroz acusação ao sistema e não mediu palavras para descrever o que havia visto. Sua denúncia foi levada ao legislativo de Massachusetts e promoveu o início de uma série de reformas, entre as quais o aumento de verbas para melhoria do manicômio público estadual de Worcester”. p. 415
Além do estado de Massachusetts, Dorothea levou sua iniciativa para a maioria dos Estados Americanos, viajando para isso aproximadamente 100 mil quilômetros, apesar da sua saúde frágil (provavelmente sofria de tuberculose), sem contar com as dificuldades encontradas na época, tais como: as poucas facilidades de locomoção, bem como, o fato de ser mulher e não ser costume a se dar ouvidos à uma mulher. p. 415
Na virada do século, o número de pessoas aumentavam nessas instituições com superlotação, dificultando o atendimento esperado pela iniciativa de Dorothea.
Outros reformistas, naquele momento, já estavam entrando na causa, como é o caso do “movimento de reforma que se baseava na ideia de que a doença mental poderia ser curada e até mesmo evitada, com tratamento adequado”. Assim surge o movimento da Higiene Mental, liderado por Clifford Beers.
Clifford Beers e o movimento da Higiene Mental
Clifford Beers teve um caminho interessante. Eram em 5 irmãos, sendo que todos tinham problemas nessa área da saúde mental, passando por instituições e morreram nas mesmas. Clifford Beers foi paciente em uma dessas instituições. “Como ex-paciente de uma instituição de tratamento mental, Beers estava mais do que qualificado para discutir a questão”. p. 415
Beers se formou em Yale, em 1897, e foi trabalhar em uma companhia de seguros em New York. Após sua tentativa de suicídio e mais um ano de depressão, passou por três instituições para seu próprio tratamento. As duas primeiras internações se deram em hospitais privados com o objetivo de tratar sua depressão e o diagnóstico que obteve era de paranóia.
Passado algum tempo, foi internado novamente só que, dessa vez, um internamento em uma instituição estatal. Após ter sido testemunha de vários e sérios maus tratos nesses internamentos, escreve um relato autobiográfico sobre sua hospitalização, resultando na publicação em 1908 do seu livro “A Mind that Found Itself”, tendo o prefácio do livro sido escrito por William James, um dos fundadores da psicologia moderna, que resolveu contribuir e abraçar a causa de Beers.
Já havia na época outros relatos dos maus tratos nessas instituições, mas o seu livro foi um diferencial por ter ele próprio sofrido os maus tratos relatados por outros. “Beers criticou os psiquiatras que encontrara, julgando-os em geral incompetentes e demasiado dispostos a recorrer a medidas punitivas, mas reservou as acusações mais graves aos atendentes responsáveis pelo funcionamento diário das alas psiquiátricas”.
A mensagem de seu livro era de que a doença mental tinha cura. Deve-se lembrar que, naquela época, “a comunidade médica geralmente achava que não havia muita esperança para os pacientes que viviam nessas instituições”. p. 416
Beers, no ano de 1909, funda então o National Committee for Mental Higiene, “uma comissão de âmbito nacional dedicada ao fomento da prevenção, e passou o resto da vida informando o público de suas opiniões a cerca da doença mental, promovendo programas de incentivo à saúde mental e fazendo campanhas pela criação de clínicas de higiene mental”. p. 416
Realizando esse post, não tem como não pensar nas situações enfrentadas aqui no Brasil por pacientes que necessitavam de tratamento e que as condições encontradas e relatadas, na história do Brasil, nada diferem dessas dos Estados Unidos.
Um pouco sobre o Movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil
No final da década de 70, com a mobilização dos profissionais da saúde metal em parceria com os familiares dos pacientes, deu-se início a essa causa.
“Importantes acontecimentos como a intervenção e o fechamento da Clínica Anchieta, em Santos/SP, e a revisão legislativa proposta pelo então Deputado Paulo Delgado por meio do projeto de lei nº 3.657, ambos ocorridos em 1989, impulsionam a Reforma Psiquiátrica Brasileira.”
No ano de 2001, foi aprovada a Lei Federal 10.216 , a qual dispõe a respeito dos direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental. Foi aprovada no dia 06 de abril de 2001.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm
A partir dessa lei, surge a Política de Saúde Mental, a qual tem como objetivo principal garantir o cuidado do paciente nos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. Nesse site, você poderá saber mais sobre como foram esses movimentos no Brasil.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf
“A Política de Saúde Mental no Brasil promove a redução programada de leitos psiquiátricos de longa permanência, incentivando que as internações psiquiátricas, quando necessárias, se dêem no âmbito dos hospitais gerais e que sejam de curta duração. Além disso, essa política visa à constituição de uma rede de dispositivos diferenciados que permitam a atenção ao portador de sofrimento mental no seu território, a desinstitucionalização de pacientes de longa permanência em hospitais psiquiátricos e, ainda, ações que permitam a reabilitação psicossocial por meio da inserção pelo trabalho, da cultura e do lazer.”
Já fiz um post por aqui sobre uma dica de filme, que vale a pena assistir, onde traz a história de Nise Silveira, uma grande mulher que lutou e teve um olhar humanizado nessa causa.
Dica de Filme – Nise O Coração da Loucura
Era isso por hoje.
Obrigada pela sua visita. Você é sempre bem vindo(a) por aqui.
Um abraço.
Referências:
GOODWIN, C. J. – História da Psicologia Moderna – Tradução Marta Rosas – 4 edição – São Paulo: Cultrix, 2010
http://www.rusmea.com/2014/05/vidas-esquecidas-o-hospital.html
https://en.wikipedia.org/wiki/Kirkbride_Plan
https://en.wikipedia.org/wiki/Clifford_Whittingham_Beers
http://www.ccs.saude.gov.br/vpc/reforma.html
Respostas de 2
Que post satisfatório de ler. Não pelo sofrimento mental e o modo como eram tratados os portadores desse sofrimento, mas porque vemos uma luz no que diz ao tratamento e reinserção da pessoa na sociedade. Eu assisti o filme que você indicou, Nise – O Coração da Loucura. Achei o histórico dela e das condições dos pacientes muito tocantes. Fiquei extremamenre emocionada no fim do filme, com imagens e um depoimento da própria Nise. Esse filme é muito relevante, tanto para a história da saúde mental no Brasil, que tem em Nise peça chave, como para o próprio cinema brasileiro. É uma obra dos prêmios que conquistou fora do Brasil e poderia ter conquistado ainda mais. Não sei se no ano de lançamento foi enviado para a pré seleção dos indicados ao Oscar de filme estrangeiro, mas merecia, pois uma história de respeito, e bem executada.
Obrigada Ana. Acredito que ainda se tem muito a fazer nessa area para a melhorar a qualidade de atendimento aos pacientes. Nise, sem dúvida, é uma das mulheres brasileiras que merece nossos agradecimentos, respeito e admiração. Um abraço