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Wilhelm Fliess x Freud

Tempo de leitura 5 min.

Oi Gente

Lendo o livro de Elisabeth Roudinesco com o título: Sigmund Freud – na sua época e em nosso tempo, me chamou a atenção sobre o que li sobre o Whilherm Fliess, onde a autora nos coloca com maior detalhe o encontro com Freud e o tempo em que os dois médicos trocavam  correspondências sobre os assuntos de medicina na época.

O post de hoje se refere a um pouco dessa história …

 

Wilhelm Fliess, um médico alemão, nascido em Berlin,  que trocou várias correspondências com Freud, no período conhecido como pré-psicanálise. Wilhelm Fliess  viveu no período de outubro de 1858 a  outubro de 1928. O primeiro encontro entre os dois se deu no ano de 1887, onde Fliess estava com 29 anos.

Como e quando se conheceram?

Foi Breuer, médico e professor de Freud, os quais conversavam sobre seus pacientes e trocavam experiências sobre os tratamentos utilizados naquela época, que aconselhou Wilhelm Fliess, um médico de Berlim, especialista nas patologias de garganta e nariz a assistir algumas aulas de Freud.  “(…) no outono de 1887, a conselho de Breuer, um certo Wilhelm Fliess, médico berlinense especializado nas patologias do nariz e garganta, procurou-o para assistir às suas aulas, quando ele terminava seu estágio no Hospital Geral de Viena. Da mesma geração de Freud e, como ele, defensor do darwinismo e da escola positivista de Helmholtz, Fliess era filho de um negociante de grãos pouco abastado e depressivo, cuja família, sefardita, estabelecera-se na Marca de Brandenburgo desde o século XVII”.  p. 69/70.

Dali em diante, haveria uma amizade entre os dois e inúmeras correspondências “Freud enviou 287 cartas a Fliess. A correspondência entre os dois homens estendeu-se de 1887 a 1900″. Foram 13 anos de troca de correspondências, das quais só encontram registros daquelas que Freud escreveu “(…) a correspondência trocada entre os dois homens jamais pôde ser completamente reunida. Restam apenas as cartas de Freud”. p. 70.

Fliess “dotado de sólida formação médica e científica, pertencia a longa linhagem de cientistas prometeicos valorizados pela literatura romântica (…) adepto de uma teoria mística e organicista da sexualidade, era de certa forma um duplo de Freud, seu “demônio”, seu “alter”, que lhe suscitava os maiores arroubos intelectuais”. p. 70.

Vida particular de Fliess

No ano de 1892, Fliess se casa com Ida Bondy que foi paciente do Dr. Breuer. Dessa união nasceram 05 filhos sendo um deles com o nome Robert mais tarde psicanalista.

Fliess sofria de enxaquecas inexplicáveis e como estudioso, jamais duvidada de suas hipóteses. Além da medicina, era um apaixonado por artes, biologia, história, matemática, antropologia e literatura, “adquiria o hábito de relacionar todos os tipos de manifestações patológicas da vida humana”. p. 71

“Quando conheceu Freud, Fliess estava em via de elaborar uma doutrina articulada em torno de três eixos: uma clínica da neurose, uma teoria fisiológica da periodicidade e uma representação biomédica e cosmológica da bissexualidade humana”.  Dentro de sua teoria de “periodicidade vital”, uma teoria precursora dos conceitos de biorritmos. Fliess também acreditava que mulheres e homens passavam por ciclos sexuais fixados matematicamente de 23 a 28 dias.

Mas uma de suas teorias chamada de “neurose reflexa nasal” foi uma das mais conhecidas onde dizia haver uma conexão entre o nariz e os órgãos genitais relacionando a isso uma variedade de sintomas neurológicos e psicológicos. 

Sobre a teoria da neurose reflexa nasal

“Após descrever uma entidade clínica denominada “neurose nasal reflexa”, Fliess via suas causas ora nas perturbações orgânicas ligadas a doenças diversas – enxaqueca, por exemplo – ora em desordens originárias dos órgão genitais. Assim, estabelecia uma relação entre as mucosas nasais e as atividades genitais para aí deduzir, como consequência, a existência de um elo entre os cornetos do nariz, as menstruações da mulher, a gravidez e o parto. Donde a ideia de que os sintomas desse tipo de “neurose”, assim como as enxaquecas e outras sequelas da menstruação, obedecem a um ritmo regular de vinte e oito dias. Ao que Fliess acrescentava outro ciclo de vinte e três dias, do qual fazia o equivalente masculino do ciclo menstrual feminino. E como esses dois ciclos se manifestavam em ambos os sexos, ele deduzia disso a existência de uma bissexualidade fundamental do ser humano, que se traduzia, segundo ele, por uma bilateralidade fisiológica, cada humano sendo ao mesmo tempo homem (à direita) e mulher (à esquerda). Armado com esse conhecimento de periodicidade e da bissexualidade humana, pensava poder determinar com certeza as datas críticas dos ciclos que predeterminavam o nascimento, a doença e a morte”. p. 71/72

A partir de um determinado momento,  as teorias de Fliess começam a se distanciar de Freud, principalmente quando ocorre um problema com uma paciente, atendida por Freud, uma jovem de 27 anos chamada Emma Eckstein a qual Freud a indicou para Fliess para que se realizasse um procedimento cirúrgico na mesma, para curá-la de uma depressão pré-menstrual. “Assim, pediu a Fliess que fizesse a viagem de Berlin para lhe operar o nariz. Fliess extirpou de Emma o terço anterior do corneto médio esquerdo”. p. 74 

“Duas semanas após a intervenção, a moça sentiu dores terríveis causadas por secreções infecciosas purulentas, das quais emanava um cheiro fétido. (…) Freud chamou seu amigo Ignaz Rosanes, que, limpando a ferida, notou que Fliess esquecera na cavidade nasal um pedaço de gaze impregnado com tintura de iodo. Irrompeu um rio de sangue. (…) Emma carregará pela vida inteira as sequelas dessa intervenção cirúrgica: o osso do nariz havia necrosado de maneira irreversível”. p. 74

Apesar desse ocorrido Emma retornou o seu tratamento com Freud o isentando de qualquer coisa. “Emma Eckstein tornou-se a primeira psicanalista da história do freudismo”. p. 74

Freud se distancia de Fliess

Durante esse período de contato que teve com Fliess, Freud “dissociou da neurologia, terminou se desentendendo com Breuer, inventou o tratamento psicanalítico, desistiu da teoria da sedução, convocou a tragédia grega à cabeceira de sua explicação do inconsciente e preparou o grande livro que o tornaria um dos pensadores mais importantes do século XX: A Interpretação dos Sonhos”. p. 76

Fliess, por outro lado, “foi julgado severamente pela posteridade como um maníaco dos números, um taumaturgo delirante, última testemunha de uma agonizante medicina romântica. Sua obra foi a tal ponto esquecida que só vem a baila em virtude do papel que os historiadores lhe atribuíram na elucidação das origens da psicanálise. E o próprio Freud sempre se recusou a ser associado à tradição do romantismo”. p. 76

“A ruptura foi extremamente violenta. Em julho de 1900, os dois amigos passavam um temporada no lado de Achen. Fliess acusou Freud de ser-lhe hostil e Freud criticou-o por não reconhecer o valor de suas descobertas”. p. 76

 “Freud permaneceu, no entanto, marcado pelo episódio dessa amizade, que através de um longo périplo, transformara-o em outro homem. Destruiu, sem ousar efetivamente admitir, as cartas de Fliess e, quando Marie Bonaparte comprou as suas de um negociante em 1936, ele se opôs firmemente à publicação. p. 77.

Enfim, o objetivo do post foi apenas trazer um pouco da história sobre essa relação entre Freud e Fliess que através de uma vasta correspondência discutiam o que cada um pensava, dentro da experiência de seu tempo, sobre os mais diferentes desafios impostos à medicina.

Sou da opinião que, apesar dos diferentes caminhos que traçaram após a ruptura dessa amizade, não podemos deixar de pensar sobre  a importância de Fliess nesse momento em que Freud estava questionando o que viria a ser mais tarde as suas teorias da psicanálise e, ainda, que essa relação entre os dois, através de suas correspondências, foi um processo de subjetivação necessária para Freud na sua invenção da psicanálise.

 

Era isso por hoje.

Obrigada pela sua visita. Você é sempre bem vindo(a) por aqui.

Um abraço.

 

 

Referência: ROUDINESCO, E. – Sigmund Freud – Na sua época e em nosso tempo.  Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 2016.

 

 

 

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