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A Constituição do Sujeito

Tempo de leitura 8 min.

Oi Gente

O post de hoje é sobre a Constituição do Sujeito, entendendo como Sujeito algo que é constituído a partir do Outro. O ser humano, não vem pronto para o mundo é preciso que ele seja constituído…

A Constituição do Sujeito

Lacan ao retornar em Freud nos coloca que o inconsciente é estruturado como uma linguagem “a maioria dessa assembléia tem noção de que já adiantei isto – o inconsciente é estruturado como uma linguagem – o que se relaciona com um campo que hoje nos é muito mais acessível do que no tempo de Freud”. LACAN (2008) e que o inconsciente é um saber e é esse saber que nos diferencia dos animais que age por instinto natural. P. 27

Se o saber está no inconsciente é para lá que devemos conduzir o tratamento para que o analisando possa se apoderar desse saber e trabalhar na sessão com aquilo que lá foi recalcado, JORGE (2010)  “trata-se de um saber que vem preencher a falta de saber instintual, pois o instinto animal é precisamente uma forma de saber inscrita no organismo vivo. Essa falta é inerente ao sujeito humano desde seu nascimento, por isso Lacan afirma que ‘o ser humano manifestamente não tem nenhum saber instintual’ e nesse sentido, pode-se dizer que ´só há inconsciente para dar corpo ao instinto”

Coutinho Jorge (2002) ainda nos coloca que “O sujeito sabe sem saber que sabe – e isso constitui o saber do psicanalista mais essencial, o saber de que há sujeito do inconsciente, saber ao qual ele só pode ter tido acesso através de uma experiência de análise pessoal”. P. 24

Toledo (2003) coloca que de acordo com Lacan, a constituição do sujeito é feita a partir de duas operações: “alienação e separação e não a partir de um processo de desenvolvimento que seguiria uma ordem cronológica, atravessando etapas” e Jerusalinsky (2009) nos fala que a constituição do sujeito está relacionada a inscrição de momentos lógicos e que não necessariamente se relaciona esses momentos com a cronologia, ou seja não estão atrelados a passagem do tempo. “É preciso o transcurso de um tempo para que as inscrições que nele se precipitaram possam ser por ele postas à prova por meio de uma experiência que o implique subjetivamente. (p.09).

É no convívio com a pessoa da mãe ou daquele (a) que exerce a função materna que o bebê se constitui e é nesse olhar cuidadoso da presença do Outro que se estabelece a linguagem e com ela os significantes que irão fundar o sujeito.

Diante dos estímulos endógenos do bebê é preciso um Outro encarnado que atribua intenção de comunicação ao seu grito e, por meio de uma interpretação, produza uma ação específica capaz de satisfazê-lo. Se há interpretação é porque já há linguagem ali. Mas é evidente que a linguagem não se inscreve por si. Não basta colocar um bebê na frente do rádio ou da televisão. Para que o gozo do bebê se atrele ao Outro, como instância da linguagem, é preciso um endereçamento, é preciso um Outro que, ao tomar o bebê desde um desejo não anônimo e a partir do saber simbólico que a linguagem lhe permitiu constituir, opere corte e costura do funcionamento corporal do bebê, levando em conta o que o afeta e fazendo borda a seu gozo. (JERUSALINSKY, 2009, p.68).

Nessa passagem do instinto para a pulsão, a nossa espécie perde algo muito sofrido, e é aí que se instala uma falta em todos os sujeitos. Falta essa que o sujeito terá que administrar da sua melhor maneira possível para garantir uma sobrevivência com uma qualidade de vida e poder abrir e bancar o seu próprio desejo. “Trata-se de uma falta que está na origem e, por isso, opera como causa do desejo”. […] toda vida humana se constrói em torno de um vazio central deixado pela, perda do objeto a”. p. 65

O nascimento de um bebê já faz parte do desejo ou não do Outro. Quando este vem ao mundo tudo já está ali preparado e designado. Esse ser novo já ocupará um lugar na prole, um momento bom ou ruim vivido pelos seus pais, quando do seu nascimento e assim ele fará parte da fantasia dos seus progenitores sobre sua futura existência, além da época, do país, da língua, da classe social e tudo o mais que está circulando em sua volta.

LACAN (1999, p. 195) afirma que: “não há sujeito se não houver um significante que o funde”. E LACAN, (2008) ainda nos diz no seu Seminário 11 que é através da fala que o sujeito se realiza sempre no Outro:

“Pelo efeito da fala, o sujeito se realiza sempre no Outro […] Ele só achará seu desejo sempre mais dividido, pulverizado, na destacável metonímia da fala. O efeito da linguagem está o tempo todo misturado com o fato, que é o fundo da experiência analítica, de que o sujeito só é sujeito por ser assujeitamento ao campo do Outro.” p.184.

Lacan, segundo JORGE (2010) postula uma alienação fundamental, originária, constitutiva do sujeito, e da qual ele precisará se separar. Não há como não se alienar, mas é preciso depois poder se separar. Essa alienação se dá no primeiro momento com a pessoa que exerce a função materna e onde o bebê está sendo constituído. Mas separar-se desse objeto de gozo inicial não é uma tarefa fácil.

 De acordo com Lacan, o sujeito é regido pela linguagem, o Outro que o antecede o estrutura. “O sujeito é efeito da linguagem e do discurso do Outro”. (JORGE 2010). “O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer”. (SEMINÁRIO 11, p. 193-194).

Freud (1996) na observação do brincar de seu neto com o carretel, onde este empurrava e o mesmo retornava, gerando assim o desaparecimento e retorno, ele interpretou que nessa brincadeira de ir e voltar era nessa volta que estava o prazer da criança. De acordo com ele: “a interpretação do jogo tornou-se então óbvia. Ele se relacionava a grande realização cultural da criança, a renúncia instintual, isto é a renúncia à satisfação instintual que efetuará ao deixar a mãe ir embora sem protestar. Freud (1996) ainda interpreta que, no início da brincadeira, a criança se encontrava em uma situação passiva e na medida que se repetia a brincadeira, por mais desagradável que fosse, a criança assumia um papel ativo, podendo também ter uma interpretação, segundo suas palavras de um outro modo, ou seja, “jogar longe o objeto, de maneira a que fosse ‘embora’, poderia satisfazer a um impulso da criança, suprimindo na vida real de vingar-se da mãe por afastar-se dela. Nesse caso, possuiria significado desafiador: pois bem, então vá: vá embora! Não preciso de você sou eu que estou mandando você embora”. p. 27..

O mandar você embora abre no sujeito uma falta que não será preenchida satisfatoriamente e é nessa busca de satisfação de preencher esse vazio que o sujeito vai ter que lidar durante a sua vida. Alguns sujeitos, mesmo sem entender do que se trata conseguirá dar um lugar apropriado a essa falta direcionando-a a vários objetos onde se possa diluir a pulsão causada por ela, se é que podemos falar assim. Esse buraco que não será preenchido, que é constituinte do sujeito.

A questão é como cada sujeito lida com essa falta, alguns não conseguem lidar de uma forma saudável com esse vazio que a falta proporciona e busca em objetos que não lhe trarão a longo prazo vantagens, como é o caso do uso das drogas por exemplo que, em um primeiro momento, se torna a saída gratificante para os sintomas apresentados pelo sujeito. Mas é a busca da causa desses sintomas que deverá ser analisada para que o sujeito possa tomar para si as suas escolhas e sair da alienação que muitas vezes se encontra.

A procura pelo tratamento, geralmente, se dá nesse momento em que o sujeito após já ter procurado outras formas de lidar com os seus sintomas e não obtendo resultados positivos quer buscar na psicanálise as respostas para poder lidar com suas questões. Um tratamento para que o sujeito possa lidar com essa alienação. O sujeito vem em busca de um saber sobre o que fazer para sair dessa angústia, desse sofrimento, desse lugar que se encontra, o qual em alguns momentos o paralisam perante a vida.

A psicanálise de Freud tem como objetivo tratar esse sujeito alienado, e é nesse sentido que Lacan realizou uma renovação no campo clínico. JORGE (2010) nos fala que:

é no seu eixo principal do ensino de Lacan, que se preocupou desde sempre em tematizar a problemática da interpretação em Psicanálise, introduzindo nela luzes que permitem fazer avançar a compreensão da estrutura própria ao tratamento analítico, que se diferencia de forma radical de outras formas de psicoterapia. Nelas, a sugestão é o modo pelo qual a palavra exerce sua ação sobre o sujeito, ao passo que na Psicanálise trata-se de levar o sujeito a entender a língua inconsciente que ele mesmo fala sem saber. Por isso, Lacan recomenda a máxima parcimônia do psicanalista em introduzir palavras suas no tratamento e buscar reduzir suas intervenções à utilização da própria fala do sujeito, na qual o inconsciente se manifesta continuamente se soubermos ouvi-lo.” P. 13

Freud através de seus livros chistes, Interpretação dos Sonhos e Vida Cotidiana, formulou o conceito do Inconsciente e foi a partir daí que Lacan construiu a sua teoria sobre a relação da linguagem com o inconsciente, que passou “a ser conhecida como a Lógica do Significante. Por meio dela Lacan mapeou as mais diferentes questões trazidas por Freud com novos subsídios”. JORGE (2010).

Se o inconsciente é linguagem, é através da fala do sujeito que ele poderá aparecer na análise. E o sujeito do inconsciente então será o verdadeiro sujeito do desejo, só que para poder ter acesso a isso são muitos os caminhos a serem percorridos, e a análise é que dará a possibilidade de fazer com que o sujeito do inconsciente possa aparecer para que o mesmo seja um sujeito desejante.

De acordo com NASCIMENTO (2010), o sujeito do inconsciente é:

o verdadeiro sujeito do desejo, o verdadeiro portador das ambições pulsionais. O eu, por outro lado, é a interiorização, num certo sentido, das leis da linguagem, das leis do Outro. Ele é o representante de uma lei exterior, de uma lei estranha e estrangeira. Dessa maneira, quando o eu tenta organizar os modos de satisfação do sujeito via alteração real do mundo exterior, ele vai fazê-lo encontrando um compromisso entre as exigências das pulsões e as do Outro. Em outras palavras, o eu tentará satisfazer as pulsões sem arriscar perder o amor do Outro”. (p. 09).

Para não perder o amor do Outro, pois o eu inicial aprendeu que a sua satisfação vinha sempre do Outro, esse eu aprende também a confundir a sua satisfação pulsional com a procura de um amor e assim esse eu chega a conclusão, como cita NASCIMENTO, 2010

“se a satisfação vinha sempre do Outro, era preciso então tê-lo em conta, era preciso respeitá-lo, obedecer-lhe, na intenção de obter dele a garantia da satisfação futura. […] Dessa maneira, o eu vai barrar, impedir toda moção de desejo que precisamente comprometa o respeito e o amor do Outro. E eis aí o paradoxo humano: a fim de garantir a satisfação (segura), ele se priva da satisfação (imediata). Ele impede porque fica preso na armadilha, na ilusão de que ele não pode obter satisfação senão através do Outro, através de seu desejo, de sua legitimação e reconhecimento.” (p. 10)

Sendo assim, o sujeito sacrifica a sua pulsão em nome do amor, acontecendo aí uma interiorização do Outro, do que o Outro quer, das suas proibições. O eu passa a falar com a voz do Outro, com os ideais do Outro. Renuncia inclusive o prazer do erotismo para poder ser amado. O eu acaba sendo a voz do Outro. “Ele é o sujeito identificado aos ideais do Outro. É o que permitiu a Lacan instalar, na sua teoria, no lugar do eu, a linguagem e suas leis, a linguagem e sua articulação estrutural”. NASCIMENTO (2010)

Como então as exigências pulsionais do sujeito poderão encontrar uma dimensão psíquica para que ele possa tolerar essa situação de ser o sujeito identificado aos ideais do Outro?

É aí que entra o papel da fantasia do sujeito. (assunto para outro Post).

Era isso por hoje gente.

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Um abraço.

Referências:

FREUD, Sigmund. Além do principio de prazer. Edição Standard Brasileira, v.   XVII. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

JERUSALINSKY, J. A criação da criança: legra e gozo nos primórdios do psiquismos. São Paulo, 2009.

JORGE, M.A.C. O Inconsciente é um Saber. Seção temática. C. da APPOA. Por Alegre, 2002, p. 21-24.   http://www.congressoconvergencia.com/site/images/artigos/o%20inconsciente%20%20um%20saber%20-%20marco%20antnio%20coutinho%20jorge.pdf, acesso em 09 de fev. 2016.

LACAN, J. O seminário. Livro 5: as formações do inconsciente [1957-1958]. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

LACAN, J. – O seminário – Livro 5: “As formações do Inconsciente”, 1999,  Lição XXV-11/06/58, p. 455.

no site: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4124/4124_5.PDF,  acesso em 23 de      jan de 2016.

LACAN, J. A Fantasia para além do Principio do Prazer in Seminário 5: As  Formações do Inconsciente (1957-1958(, cap. XIII, p. 256).

NASCIMENTO, M.B. Alienação, Separação e Travessia da Fantasia – Opção Lacaniana on line nova série – Ano 1, Número 1, Março, 2010. Acesso em 24 de jan de 2016.

 

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